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Imprensa de referência e metal: mutuamente inclusivos

Só para os mais distraídos constituirá novidade o facto de nos anos mais recentes a comunicação social portuguesa generalista e de referência ter vindo progressivamente a abrir-se à divulgação das sonoridades pesadas, destacando-se neste âmbito a Impresa, grupo de Francisco Pinto Balsemão que detém órgãos como a SIC e vários canais especializados, além do semanário “Expresso” e da revista “Blitz”, entre outros.

No caso paradigmático da Impresa refiro desde já a frequente passagem de breves sobre Metal no rodapé dos serviços noticiosos da SIC Notícias. De facto, todas as semanas se lêem curtas como “Dream Theater já têm novo baterista”, “Dream Theater a 17 de julho no Coliseu do Porto”, “Machine Head nos coliseus a 17 e 18 de novembro” ou “Samael vão regressar a Portugal em outubro”, além de inúmeras outras sobre grupos internacionais do género, algo inimaginável num passado recente.

Todavia, é aos nacionais Moonspell que cabe o monopólio da exposição mediática. Exemplos não faltam: o vocalista, Fernando Ribeiro, marcou presença no “Cartaz” da SIC Notícias mais do que uma vez a propósito da Tour Sombra (vídeo 1, vídeo 2) e uma vez na secção “Revista de Imprensa” no “Jornal das 10” do mesmo canal, tendo o grupo sido objeto de várias reportagens nos últimos anos emitidas na SIC generalista (a última das quais pode ser visionada aqui.

Por outro lado, dirigindo-se a SIC Radical ao público jovem e apostando fortemente em conteúdos musicais (a transmissão em direto de festivais portugueses com grupos de Metal no cartaz veio enriquecer sobremaneira a oferta de conteúdos, simultaneamente expondo a música pesada a uma audiência mais vasta), há muito se perdeu a conta às participações televisivas de Ribeiro e / ou dos Moonspell no formato de entrevista, debate, comentário, videoclip ou atuação em programas como ”Hypertensão”, “Curto Circuito”, “A Última Ceia” ou “Cabaret da Coxa” (no qual também os Alkateya chegaram a atuar). Na RTP a “carreira” do grupo inclui participações nos icónicos programas “Contra Informação”, “Gato Fedorento” e “Cinco para a Meia-noite”. Também na TVI a banda foi objeto de reportagem.

Aliás, a profunda envolvência de Fernando Ribeiro na cultura lusa através dos Moonspell, dos Hoje ou da sua carreira paralela de escritor e cronista, não olvidando outros projetos musicais e literários em que figura, asseguraram-lhe inusitados graus de exposição num meio cultural vasto, elitista, de penetração difícil, historicamente vedado aos músicos nacionais de Metal. O vocalista / escritor conquistou e capitalizou assim maior espaço mediático nos órgãos de comunicação social de referência (por exemplo enquanto comentador frequentemente solicitado para formular opinião), destacando-se aqueles especializados em cultura (a revista “Atual”, do “Expresso”, constitui um dos melhores exemplos).

Goste-se ou não, esta magistralmente gerida omnipresença de Ribeiro nos media enquanto homem de cultura granjeou ao Metal uma melhor reputação na sociedade portuguesa, agora mais consensual na aceitação do género, da sua cultura, dos seus fãs e da sua iconografia. O resultado é visível, embora ainda haja um imenso caminho a percorrer.

Mas se devemos agradecer a Fernando Ribeiro e aos Moonspell o contributo dado na conquista social de uma aura de respeitabilidade que as massas sempre negaram ao Som Eterno, por outro lado o Metal português não se resume aos Moonspell. Há muitíssimo mais, diferente e nalguns casos melhor para descobrir no som de peso luso. O influente Nuno Rogeiro provou-o quando recentemente sugeriu no programa “Sociedade das Nações”, na SIC Notícias, o álbum Origami, dos ThanatoSchizO. É desejável que outros lhe sigam o exemplo.

Ainda no universo Impresa, o “Expresso” surpreendeu com uma página inteira sobre o Vagos Open Air na revista “Única” de 18 de junho no âmbito de um guia dos festivais de verão em Portugal. Num texto sobre o mesmo tema, a revista “Sábado”, da Cofina Media, referia-se dias mais tarde ao Vagos como um evento “de arrasar”. Mas seria profundamente injusto não referir aqui o “Diário Digital”, órgão generalista pioneiro na publicação regular de notícias, entrevistas, reportagens de espetáculos e criticas a álbuns de bandas heavy, mesmo provenientes do Underground. Logo na sua fundação, em 1999 (se não estou em erro), este jornal online revelou uma surpreendente abertura a estes conteúdos, quando mais nenhum órgão nacional de caráter generalista o fazia.

Ignorância e sensacionalismo
Este cenário geral contrasta em absoluto com as raras notícias e reportagens de espetáculos publicadas na imprensa generalista portuguesa nos anos 80 e 90 sobre grupos de Metal. Se hoje a ignorância de muitos jornalistas não especializados ainda é desconfortavelmente palpável no que à música pesada se refere, na época grassava a pura estupidez e o preconceito gratuito, sendo as prosas ricas em adjetivos como “barulhento”, “ruidoso” ou “assustador”. Os textos refletiam o espanto (no mau sentido), a reprovação e até o receio dos seus autores face a um universo que não compreendiam nem ambicionavam fazê-lo, votando-o simplesmente à marginalização.

O contraste agravou-se através das reportagens sensacionalistas transmitidas na SIC e na TVI entre o final dos anos 90 e o início da década passada na ressaca do parricídio de Ílhavo, em agosto de 1999. O horroroso acontecimento serviu de combustível para alimentar a incontrolável fogueira da reportagem-choque, infame, pouco fundamentada e visando meramente vencer a impiedosa guerra das audiências. Jornalistas, pseudo-intelectuais e autointitulados especialistas totalmente ignorantes acerca da cultura metálica tomaram a parte pelo todo, deixando a sua triste marca em peças como “Sons do Extremo”, “666, Diabo à Solta” ou “Black Metal”. Por consequência, os anos subsequentes foram de caça às bruxas, com término assinalado em outubro de 2005 através de uma reportagem sobre o Metal português transmitida no programa “Pop Up”, da RTP 2, em que tive o privilégio de participar. Nessa altura já Fernando Ribeiro se havia instituído a pulso como figura de referência na cultura portuguesa.

Dico

PS 1O recurso aos classificados em órgãos de grande expressão começa finalmente, embora de forma tímida, a verificar-se no universo metálico. Foi com agrado e surpresa que vi há cerca de três meses a “Infektion Magazine” publicar três anúncios no blogue de emprego “Carga de Trabalhos”, requerendo colaboradores para o lançamento da revista. Em simultâneo, os Mind Deem prosseguiam a sua busca por um vocalista através da publicação de dois anúncios no “Público”. Os agentes do nosso Underground parecem ter começado a perceber que as buscas exclusivamente efetuadas “dentro de casa” se revelam extremamente limitadas. Há todo um mundo de oportunidades lá fora, as pessoas é que não o procuram.

PS 2Para terminar, uma curiosidade: sabiam que Henrique Raposo, um dos mais conceituados cronistas do “Expresso”, é um acérrimo fã de Metal?

Texto escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico

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