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Entrevista Ramp

MENTES NUAS

O final de 2003 serviu para nos trazer de volta um dos nomes mais significativos do nosso cenário metaleiro nos últimos quinze anos. Perante um ano tão produtivo para as bandas nacionais já só faltava mesmo conhecer, para que o quadro anual fosse ainda mais completo e qualitativo, o que os Ramp nos reservavam num regresso tão esperado... e diga-se, valeu bem a pena esperar. De corpo e alma lavados mas sem rasgar com a postura demonstrada no passado, “Nude”, o quarto álbum dos Ramp é, no entanto, um sinal de que a banda cresceu e está pronta a quebrar novas barreiras. A SounD(/)ZonE tem assim a honra de poder apresentar as palavras trocadas com Rui Duarte dos Ramp, vocalista e personalidade admirável do nosso espectro musical.


“Nude” é um álbum que parece transportar os Ramp para um novo tempo, uma nova época, uma nova filosofia enquanto banda e enquanto pessoas. No entanto, ao escutarmos o álbum vemos que continuam fiéis àquilo que construíram até hoje. Qual é a grande motivação e conceito em volta do novo disco?
A grande motivação e conceito que gira à volta de “Nude” é algo extremamente simples. Aliás, todo o álbum assenta, essencialmente, na grande simplicidade e na grande – não gosto de utilizar a palavra pureza - mas quase como ir direito a um assunto sem preconceitos e sem nada que o possa camuflar. O “Nude” é um álbum dos Ramp, à imagem e semelhança do que a maior parte dos músicos gosta de dizer em relação ao seu último disco, a meu ver é o disco mais maduro dos Ramp, nem que seja porque é o reflexo daquilo que os Ramp são hoje em dia enquanto pessoas e é um álbum que para nós foi extremamente importante. Teve um percurso muito sinuoso, teve um nascimento tortuoso e, de alguma maneira, é o reflexo de uma altura em que os Ramp tiveram de parar, olhar para si próprios, pensarmos em tudo o que tínhamos feito até hoje, em todas as pessoas que tínhamos conhecido até hoje, em todas as nossas reacções, em todas as nossas visões em relação à música e ao mundo em geral, e deixamo-nos guiar por essas emoções, ou seja, os Ramp aparecem muito mais despidos de todo e qualquer preconceito, muito mais abertos, tão abertos que até são capazes de se criticarem a si próprios. Acho que o “Nude” é o reflexo de isso mesmo. É os Ramp conseguirem tornar relativamente simples aquilo que nós consideramos o mais complicado que é, essencialmente, a vida.

“Nude” é um disco aparentemente normal mas pegando no núcleo da sua questão, a vida e o ser, explícito e sem preconceitos, tudo se torna mais complexo. Como foi esse ingresso tão profundo pelo vosso interior para trazer cá para fora tudo aquilo que vos constitui como músicos e seres humanos?
Foi um pouco complicado para nós termos a coragem de nos enfrentarmos a nós próprios e vermos o nosso reflexo. Enquanto seres humanos, eu acho que o percurso de elaboração do “Nude” foi bastante importante para o desenvolvimento de todos os elementos dos Ramp, nem que seja pelo simples facto de que chegámos a uma série de conclusões em que se calhar nós éramos os primeiros a estar errados. Os Ramp aparecem desprendidos de uma série de situações que eu acho que, hoje em dia, acaba por ser um dos factos da não evolução ou das pessoas não olharem para a coisa mais essencial dentro daquilo que é uma proposta musical de uma banda. Mais do que qualquer que possa trabalhar com uma banda, mais do que qualquer editora que possa trabalhar com uma banda, mais do que qualquer instituição que possa funcionar para com uma banda, aquilo que realmente interessa e é importante, é e não pode deixar de ser, a música. E foi exactamente isso que os Ramp tentaram essencialmente ver, que é assim, falarmos de coisas que têm a ver com todos nós, com pontos de vista de momentos que atravessamos, até como a autocrítica a nós próprios. Eu acho que o “Nude” foi um passo de gigante, não digo para as outras pessoas mas pelo menos para os Ramp.

“Alone”, uma balada como primeiro single, um elemento algo atípico na vossa sonoridade. No entanto, um tema extremamente belo e profundo. Como foi escrever “Alone”?
O “Alone” apareceu durante o percurso de composição de uma maneira bastante natural. Os Ramp sempre foram uma banda que se pautou pela diversidade, nós nunca gostamos nem nunca é apanágio dos Ramp fazer um disco em que as pessoas, chegando ao terceiro tema, já possam adivinhar como é que vai ser o resto do disco. Somos um a banda em que o nosso universo nunca foi, propriamente, ser essencialmente de uma onda mas ser música em geral. Nós aliás, somos fãs de música em geral e de metal em particular, é a nossa sonoridade, digamos que é a visão na qual nos revemos mais. No entanto, há espaço para num álbum dos Ramp acontecer quase tudo aquilo que nós queiramos mas, claro, com a personalidade da banda. O “Alone” acaba por surgir exactamente neste contexto, ou seja, as pessoas conseguem ver que os Ramp estão no “Alone” e ao mesmo tempo o “Alone” pode ir, de alguma maneira, navegar em territórios que não sejam os territórios musicais de outros temas presentes em “Nude”. Mas o bom de tudo isso é que, por mais que os Ramp possam divagar e atravessar outros contextos musicais, a sua personalidade acaba sempre por vir à superfície foi com grande agrado que vimos, tanto a nível musical como a nível instrumental, não tínhamos apenas feito uma mera balada mas sim uma canção bonita, profunda e em que a parte musical servia perfeitamente a parte lírica.

E porquê a escolha de um tema mais calmo para promover o álbum? Considera-lo o maior estandarte de “Nude”?
É lógico que o “Alone” não será o estandarte do “Nude”. Aliás, eu propriamente nem sei qual dos temas será o estandarte do “Nude”, eu acho que o “Nude” vale como um todo. No entanto, a escolha aconteceu de uma maneira bastante simples, nós estávamos a conversar em relação àquele que poderia ser hipoteticamente o single de apresentação do disco e começamos a ver que existiam visões bastante antagónicas por parte dos vários elementos dos Ramp. Foi então que decidimos, para tentar solucionar o caso que se arrastou durante algum tempo, de que deveríamos se calhar fazer uma votação quase secreta, em que cada um dos elementos iria votar, não num tema mas em dois temas, e através dessa votação nós iríamos tentar chegar a um consenso. E o engraçado foi que as primeiras escolhas de todos os elementos dos Ramp não foi propriamente o “Alone” mas essas mesmas primeiras escolhas não coincidiam e não chegavam a um consenso. Então foi engraçado reparar que sempre em segunda escolha nas votações aparecia o “Alone”, ou seja, nós começamos a olhar para o “Alone” quase como o tema do consenso e não propriamente a primeira escolha. Mas fomos um pouco por ai, achamos que se haveria algum ponto de ligação entre todos os temas e todos os elementos dos Ramp esse ponto encontrava-se precisamente no “Alone” e foi exactamente por ai que nós pensamos em ir.

Pedia-te agora que me fizesses uma breve introdução a cada tema do álbum. Todos eles parecem transportar um sentido muito especial, alguns em tom sarcástico e corrosivo como por exemplo em “XXX (fan)tasy”.
Todos os temas do “Nude” têm algo de especial e têm uma mensagem bastante simples. Eu só não queria fazer uma análise mais profunda de cada tema, não para evitar trabalho porque não é isso que me assusta, mas essencialmente porque acho que os temas estão escritos numa linguagem tão simples, tão fácil das pessoas conseguirem entrar dentro do seu contexto que acho muito mais positivo deixar as pessoas divagarem e viajarem dentro do contexto da própria letra do que propriamente fazer-lhes o filme e apresentar-lhes o resultado final.

Creio que não podia deixar de falar nisso: a ideia de inscrever na capa do disco o nome da banda e o título do álbum em Braille parece-me um gesto extremamente sensível, original e solidário. Como surgiu essa ideia?
A informação em Braille que aparece na capa do disco dos Ramp não foi uma ideia que nós possamos considerar como ideia divina e muito bem estruturada e que foi uma coisa muito profunda. Em quase tudo o que os Ramp fazem as coisas podem ter a sua profundidade mas não gostamos de as por realmente como algo superior a todos os outros, ou seja, a ideia nasceu de uma coisa tão simples. Quando estávamos a conversar sobre este novo disco dos Ramp e estávamos a salientar o facto de que era um dos álbuns mais sensoriais dos Ramp no sentido de ser um álbum bastante emotivo e bastante humano, e estávamos a conversar sobre as várias possibilidades que se apresentavam mesmo a nível do arranjo gráfico do próprio disco no sentido de nós atingirmos isso e o Ricardo deu a ideia de fazer a utilização do Braille. A primeira reacção de todos nós foi de algum espanto do género: “Ah, em Braille mas...” e depois achamos que a nossa própria reacção de alguma maneira era o reflexo da atitude comum de todos nós em relação à apresentação de uma mensagem em Braille no CD e ficamos a pensar: bem, nós é que estamos errados! Porque isso deveria ser uma coisa extremamente comum e vulgar e foi por ai que nós fomos, ou seja, pusemos porque achamos que a uma certa e determinada altura iria ajudar no sentido do próprio disco e também porque de alguma maneira ficamos surpreendidos com a nossa própria reacção de espanto em relação a se meter uma leitura em Braille, foi tão simples como isso.

A nível editorial, a banda encontrasse descomprometida, tendo antes optado pelo licenciamento à Paranoid Records e por um contracto de distribuição com a Universal. O que esteve na base de toda esta estratégia, se assim lhe podemos chamar.
A base de toda esta estratégia dos Ramp a fazerem o disco de uma maneira quase auto-suficiente e de fazer o licenciamento não só em Portugal mas logicamente com a perspectiva do trabalho internacional baseia-se essencialmente no facto de nós durante este tempo de suspensão dos próprios Ramp analisarmos todo o trabalho que tínhamos feito até então através de infra-estruturas portuguesas fazendo um contracto discográfico normal. Baseia-se igualmente em toda a parte em que nós fizemos o approach com as editoras internacionais em relação à possibilidade de um contracto discográfico com os Ramp e que chegamos à conclusão que, embora já sendo conhecidos dentro do meio da chamada indústria, não deixamos de ser considerados uma banda nova no panorama internacional porque não temos uma base concreta de vendas sobre as quais eles se possam reger. Agora, pensando em todos os prós e contras no sentido de, ou fazemos um contracto com uma editora internacional que não iria dar se calhar o apoio correcto aos Ramp e como budget em que nós se calhar não poderíamos atingir o grau qualitativo que nós gerimos para este disco e que não poderíamos realmente abandonar essa ambição dentro do panorama nacional porque as pessoas esperam qualidade dos Ramp nós achamos que a maneira melhor de subverter toda essa situação e sair do impasse era os Ramp avançarem, arriscarem por si próprios e caminharem numa situação de construírem o seu próprio disco como uma propriedade que nos pertence e que podemos negociar directamente com uma série de identidades e foi isso que se fez. Para Portugal fizemos o licenciamento através da Paranoid Records fizemos o contracto de distribuição através da Universal e para o panorama internacional o que vamos fazer é exactamente toda essa campanha no sentido de tentarmos fazer o licenciamento através das várias editoras independentes que existem dentro do circuito Europeu e não só, numa perspectiva de realmente conseguir fazer com que os Ramp comecem a trilhar este mesmo trabalho internacional. Essa foi realmente a estratégia de tudo o que anda à volta do “Nude” e da maneira como ele foi concebido.

E agora que os Ramp têm contracto de distribuição com a Universal acreditas num reconhecimento sem precedentes também por parte da comunidade mundial? Quais são as expectativas?
Primeiro que tudo, o contracto de distribuição feito através da Universal é única e exclusivamente destinado ao território nacional e de qualquer das maneiras as expectativas dos Ramp são sempre as expectativas que depositamos em cada disco que é: nós estamos de consciência tranquila que fizemos o melhor trabalho possível, temos a plena consciência que as coisas nunca serão fáceis para os Ramp como nunca foram até hoje, essencialmente com os pés bem assentes na terra aquilo que nós fazemos é tentar subir cada vez mais no sentido de chegarmos a mais pessoas e podermos mostrar a música que os Ramp realizam e essencialmente é um bocado o termos a consciência daquilo que nos é possível fazer e fazer realmente esse crescimento sustentado porque a nossa ambição sempre foi, acima de tudo, ter uma carreira e não propriamente êxito.

Também no que concerne à produção do disco, os Ramp manifestam-se independentes e muito competentes. O resultado sonoro do disco mostrasse a grande nível e a fazer valer o risco que a banda tomou ao assumir as rédeas da produção. Como decorreu a experiência? Pensam adoptar o mesmo sistema no futuro?
Os Ramp estão satisfeitos com o trabalho de produção. Nós tivemos de tomar essa decisão tendo em conta o factor tempo e monetário, nós tínhamos um timming específico para a saída do disco que queríamos cumprir, tivemos de ir pela situação quase de auto-produção que correu bastante bem. Nós tínhamos plena consciência de que iria ser algo problemática no sentido de que poderia haver alguns momentos de impasse visto que estamos a falar de pessoas que estão intimamente ligadas às composições de todos os temas mas de qualquer das maneiras tivemos um conversa prévia entre todos os elementos no sentido de termos a consciência de estarmos a trabalhar para um objectivo comum e que iríamos ter muita abertura no sentido de ouvir sempre o que o próximo tem a dizer. Então conseguimos felizmente construir todo um processo democrático mas uma democracia que não se baseasse no impasse mas sim numa democracia produtiva e conseguiu-se realmente criar um consenso através de concessões pontuais a nível de cada individualidade dos Ramp e eu pessoalmente e em nome dos Ramp acho que estamos extremamente satisfeitos com o trabalho que superou em alguns níveis as nossas expectativas. Agora em termos de futuro, os Ramp não metem de parte a situação de trabalhar com um produtor externo à banda porque eu continuo a achar que é uma mais-valia quando realmente é uma pessoa competente e que poderá ajudar a banda às vezes a encontrar coisas que as quais não vê através de si própria. Neste caso específico não houve essa possibilidade e mesmo não havendo essa possibilidade o resultado foi muito bom. Na próxima ocasião logo se irá medir todas as possibilidades quer a nível financeiro quer a nível de tempo dos próprios Ramp no sentido de podermos trabalhar com mais uma pessoa na equipa.

Como deves calcular, em todo o nosso território os Ramp são um caso sério de popularidade e reconhecimento e nos Açores isso não foge à regra. Que recordações guardas do público Açoriano aquando da vossa presença, aqui há uns anos atrás, no festival Rock de Garagem em S.Miguel juntamente com os Tarantula? Recordas-te?
As recordações que os Ramp guardam do público açoriano são as melhores que poderão existir. Houve uma certa e determinada altura em que eu pelo menos me assustei devido ao, digamos assim, grande fervor mostrado pelo público, aliás a minha primeira visão é ver as grades a voarem para fora da ilha e ver um tumulto completo, não no sentido de haver problemas, mas no sentido de as pessoas estarem bastante contentes de terem aquele espectáculo a acontecer. Foi uma experiência espectacular, todas as pessoas à volta da produção do espectáculo foram bastante simpáticas com os Ramp, não temos nada a apontar. Ainda por cima estávamos com uma banda com a qual nós temos uma grande afinidade a nível de amizade que foram os Tarantula, e por falar nos Tarantula, outra imagem que me vem à memória é exactamente quando nós estávamos nos camarins no pós espectáculo e de repente começamos a sentir à volta do complexo onde estavam os camarins, um barulho ensurdecedor como se de repente fossem invadir o local e vou confessar que, tanto os Ramp como os Tarantula, estávamos com medo de toda a situação a pensar o que é que se iria passar. Mas tudo acabou em bem, eu acho que acima de tudo o que aconteceu foi que todas as pessoas estavam muito contentes das duas bandas estarem presentes naquele espectáculo e a recordações que nós temos em conjunto também com os próprios Tarantula são as melhores dos Açores.

Este era o trabalho que faltava num ano tão bom e produtivo para o metal nacional. Que planeiam para os próximos tempos?
É verdade, eu acho que este final de ano a nível do movimento do metal nacional é um ano de ouro. Eu acho que as pessoas devem falar nisso, ter em conta que este é capaz de ser um dos anos mais produtivos a nível de lançamentos dentro da área da música pesada e num breve espaço de tempo aquilo que os Ramp planeiam para o futuro é continuar e desta vez se possível sem um interregno tão grande entre uma edição discográfica. Aquilo que nós vamos fazer em 2004 é partir para a estrada, tentar tocar no máximo de sítios possíveis dentro de Portugal e quando falo em Portugal falo em Portugal continental e não só, e logicamente começar a trilhar todo o trabalho internacional no sentido de vermos se conseguimos realmente fazer alguns contactos para permitir esses mesmos licenciamentos e ver até que ponto é possível os Ramp estenderem o seu trabalho para fora do território português. Essencialmente, esse vai ser o trabalho que os Ramp vão fazer a breve prazo.

Nuno Costa
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