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CRÓNICA: Festivais nos Açores: o lado reluzente e negro da questão


Aí vem a época dos festivais. Muda-se a conjuntura económica, mas felizmente continua a haver soluções vastas para quem deseja (e merece) o devido descanso.

Falar de festivais nos Açores implica falar de uma máquina subsidiária que sustenta (ou sustentava, eis a questão) com o dinheiro dos contribuintes todos os médios e grandes (e também alguns pequenos) festivais que alastram (ou alastravam) as nove ilhas do arquipélago. Sustenta ou sustentava, alastra ou alastravam, e muitos desses binómios estarão neste momento à face de uma equação que muitos urgem ver desmantelada.

Os gostos musicais são secundários. A liberdade de expressão e escolha é um imperativo democrático e base de toda a saudável vida em comunidade. Todavia, isto não  impede que devesse ser esclarecido (como travão para certas controvérsias) os moldes em que certos festivais icónicos na região (e outros emergentes) sobrevivem e coexistem numa conjuntura tão adversa.

A urgência desse mesmo esclarecimento serviria para inferirmos da real política cultural que vigora nos Açores, onde é difícil ignorar preferências (de ordens que não conseguimos deslindar) de um festival (ou mesmo de uma ilha) em detrimento de outro.

Sabe-se da indiscutível tradição de festivais como o do Chicharro, Maré de Agosto, Angra Rock, entre outros emergentes como o Monte Verde. Tendo todos eles públicos e importâncias específicos na promoção e dinamização de cada localidade e artistas que neles participam, sendo que nenhum será mais importante do que outro na medida das suas próprias especificidades, surge a questão sobre a verdadeira idoneidade e imparcialidade como cada um surgiu, cresceu e se mantém nos dias que correm.

Sabendo que todos eles dependiam em grande parte dos dinheiros públicos, o grande ponto positivo da crise é que a necessidade obrigou-os a implementar (finalmente) um "conceito" tão básico e primitivo como o da bilhética paga. Um grande passo rumo à auto-sustentabilidade dos mesmos. O antigo modelo era simplesmente terceiro mundista e suicida... não se compreende como levámos tanto tempo a perceber isto.

Perante este cenário, a verdade é que os maiores festivais da região continuam a ser subsidiados, e sendo que estes subsídios aparentemente já não sobram para todos, há aqueles (muitos) que vão caindo, sendo vítimas de um problema que acaba por ser transversal a toda a cultura e economia de uma sociedade.

Entra aqui o campo da justiça. Será justo retirar poder a um festival tão icónico como a Maré de Agosto? Será justo retirar qualquer hipótese de se realizar um festival como o Angra Rock que tantos valores regionais lançou? Será legítimo abater um festival tão auspicioso como o Azure? O que não terão estes festivais comparativamente a outros (que se mantêm altamente vigorados) para deixarem de manter a confiança ou o apoio da nossa pasta cultural?

Sem consultarmos qualquer diário, documento ou relatório que expresse a forma como os apoios têm sido distribuídos, parece-nos claramente que a tendência é centralizar o poder na ilha de São Miguel e fortalecer os festivais virados para as grandes massas. Condenável? Sim, mas não pela qualidade que os referidos festivais/cartazes caídos em graça apresentam. Em mais uma verdade lapalissiana, a racional aposta na diversidade é arma fundamental para o enriquecimento cultural de cada indivíduo. Algo que não está a acontecer. Como já foi dito, qualquer um destes festivais apresenta características muito próprias - uns mais mainstream outros mais alternativos, todos com a sua importância -, mas é nos alternativos que a indiferença dos sponsors/governo se tem verificado com maior enfase. Ouvimos dos próprios consumidores que "este ano os festivais é... reggae". Já sabemos igualmente do obsessivo pendor dos promotores por DJ sets e bandas de covers... Pergunta-se novamente: onde está a diversidade?

Compreende-se perfeitamente que em época de crise é preciso ser-se empreendedor e pensar verdadeiramente na rentabilidade. Sendo que os festivais mais privilegiados continuam a ter a mesma afluência (muita) de público, continuam a ter apoios e agora uma "nova" fonte de receita (os bilhetes), parece-nos claro que viverão em estado de graça (e provavelmente já são auto-sustentáveis). Vejam-se os artistas em cartaz, todos os pormenores de organização e até as campanhas promocionais. Está tudo mais profissional e rebuscado (para gáudio geral), mas tudo isso só é possível com grandes orçamentos. E sobretudo para um festival jovem como o Monte Verde, em que foi preciso quem investisse fortemente para que se lançasse e atingisse um elevado patamar mediático em apenas dois anos. Não há milagres sem dinheiro, sem investidores. A competência organizativa acaba por vir depois; o dinheiro abre os "horizontes" e a "criatividade".

Se alguns festivais crescem a olhos vistos, outros (com impacto e tradição indiscutíveis) estão simplesmente mortos ou a morrer. Não seria nesses que se devia apostar nesta fase difícil - nos "plebeus" em vez dos "burgueses"? Será que existe algum plano para destituir a concorrência e centrar interesses na maior ilha dos Açores? Será tudo mera coincidência ou má gestão? Mais grave: será tudo parte de um plano para manter as pessoas privadas da diversidade cultural e consequentemente retrógradas no seu conhecimento? Debata-se o assunto. Há projectos perfeitamente credíveis e honestos que ameaçam desaparecer... Enquanto outros rejubilam com festivais de milhares, outros minguam sem uma única "pataca" para dar continuidade a projectos de uma vida que já causaram muito suor, sangue e lágrimas.   

Nuno Costa

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