[EXCLUSIVO] 1º Festival de Heavy Metal de Stº António dos Cavaleiros: 30 anos do primeiro festival de Heavy Metal português
No próximo dia 15 cumprem-se três décadas sobre a realização do primeiro festival de Heavy Metal alguma vez realizado em Portugal. A 15 de dezembro de 1984 acontecia em Loures o 1º FESTIVAL DE HEAVY METAL DE STº ANTÓNIO DOS CAVALEIROS (seria, aliás, o único), evento que inspirou inúmeras bandas e outros agentes underground. Impunha-se, pois, a comemoração do 30º aniversário deste acontecimento histórico, quanto mais não seja por via do presente texto, que irá, além de outros, integrar a próxima edição do livro Breve História do Metal Português. Através das linhas seguintes fique a saber tudo sobre um espetáculo lendário no percurso da música pesada nacional.
"O [fã-clube] Purgatório do Heavy Metal e a Metal Masters [grupo de amigos que importava álbuns, gravava-os para cassete e divulgava-os através de tape-trading] resolveram organizar um festival que reunisse as melhores bandas [nacionais praticantes de Heavy Metal]", afirma José Gomes, ex-vocalista dos WILD SHADOW e RAVENSIRE, também conhecido pelo pseudónimo Zé "Mastercrow". A ideia de realizar aquele que viria a ser o 1º Festival de Heavy Metal de Stº António dos Cavaleiros tomou forma e deitaram-se mãos à obra. "Convidámos os STS PARANOID, XEQUE-MATE, SEPULCRO, MAC ZAC, VALIUM, JAROJUPE e LOW VALLEY", prossegue "Mastercrow".
À época, os meios técnicos e financeiros escasseavam para a organização de um evento e, os poucos que existiam, afiguravam-se especialmente rudimentares. A par disso, o know-how era quase inexistente mas a vontade e a paixão suplantavam quaisquer dificuldades.
As peripécias quanto à organização e realização do evento cedo tiveram início, mas havia sempre forma de levar por diante cada fase do processo. "Arranjámos maneira de, numa gráfica, fora da hora de expediente, nos fazerem os cartazes de borla", explica o divulgador e músico. “Pintámos as paredes e os passeios das imediações do pavilhão da Associação de Moradores de Santo António dos Cavaleiros [onde se realizou o espetáculo] com setas e a frase 'o festival de Heavy Metal é por aqui'", adianta, empolgado.
O entusiasmo de "Mastercrow" quase se torna palpável ao narrar a sucessão de hilariantes acontecimentos. "Na manhã do dia do espetáculo chovera bastante. Estava eu prestes a chegar ao pavilhão quando me deparei com a primeira dificuldade: a carrinha dos XEQUE-MATE ficara atolada na lama a 100 metros da sala. Após 15 ou 20 minutos de enorme esforço, nós e as bandas, enlameados até aos joelhos, lográmos por fim libertar o veículo", explica.
Éramos inexperientes, nunca havíamos organizado um espetáculo e nem todos cumpriram as suas funções.O PA usado no evento fora alugado aos antigos elementos do GRUPO DE BAILE, que em 1981 havia obtido enorme êxito comercial e radiofónico através do single Patchouly. No entanto, chegados ao interior do pavilhão, os membros do Purgatório do Heavy Metal, da Metal Masters e dos grupos enfrentaram um novo imprevisto: o sistema elétrico não aguentava a potência do PA. "Éramos inexperientes, nunca havíamos organizado um espetáculo e nem todos cumpriram as suas funções. A verificação da potência do PA e do sistema elétrico não foi acautelada", prossegue "Mastercrow". A organização acabou por descobrir um técnico da EDP residente na zona, a quem pagou, no seu dia de folga, para efetuar uma "puxada" a partir de um poste elétrico, fornecendo a potência necessária à realização do evento.
Na altura do soundcheck já o público se encontrava na sala. Os problemas acústicos logo se revelaram. "O espaço não era adequado para receber uma tal potência sonora", enfatiza Rui Jorge (Metal Army), conhecido no meio pelo pseudónimo Rudy "Sagres".
Outras questões, porém, dificultariam o harmonioso desenrolar dos testes de som e dos próprios concertos. "Os agrupamentos nortenhos - MAC ZAC, XEQUE-MATE e JAROJUPE - eram modestos, partilhavam o backline dos XEQUE-MATE. A humildade não caracterizava, porém, os grupos do sul, que exigiam usar os seus próprios equipamentos. Ora, uma vez terminado o soundcheck de uma banda [do sul] retirávamos o seu material para montar o do grupo seguinte. Perdíamos imenso tempo nisto, com o público, impaciente, já no interior do recinto", prossegue “Mastercrow”.
A situação poderia facilmente ter-se descontrolado, na medida em que se encontrava na sala perto de meio milhar de pessoas, das quais apenas cerca de 400 haviam pago o bilhete. "Tivemos problemas em controlar as entradas e saídas do pessoal durante os tempos mortos, embora não tenhamos dado 'abébias'", explica Zé “Mastercrow”.
Mas a sucessão de contratempos era imparável. Não tendo os organizadores solicitado as necessárias licenças para realizar o evento, durante o soundcheck um representante da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) faz-se deslocar ao espaço, multando a organização.
Os agrupamentos nortenhos eram modestos, partilhavam o backline. A humildade não caracterizava, porém, os grupos do sul, que exigiam usar os seus próprios equipamentos.Os MAC ZAC (futuros TARANTULA) foram a primeira banda a atuar, seguindo-se os SEPULCRO, VALIUM, STS PARANOID e JAROJUPE. No entanto, o ditado popular diz que "um azar nunca vem só" e parece bem verdade - decorria o espetáculo dos JAROJUPE quando uma fagulha proveniente dos efeitos pirotécnicos incendiou a faixa de lona montada sobre o palco. Os bombeiros locais extinguiram prontamente o incêndio, mas o Purgatório do Heavy Metal e a Metal Masters ver-se-iam na contingência de pagar a intervenção dos soldados da paz. Como resultado, a atuação dos JAROJUPE teve de ser interrompida e encurtada.
O conjunto destes acontecimentos, a par do elevado volume sonoro e do visual ostentado pelos fãs redundaram em queixas dos moradores e na consequente invasão do local pela GNR, cerca da meia-noite, quando os JAROJUPE ainda atuavam. "Deixaram-nos terminar o espetáculo, mas os XEQUE-MATE, que eram os cabeças de cartaz, não puderam atuar", lamenta Zé “Mastercrow”.
No final, a receita angariada revelou-se insuficiente para cobrir as despesas. Da organização, nem todos os elementos honrariam os compromissos financeiros estabelecidos com as bandas. "Definimos logo de início que não existia verba para pagamento de cachets, apenas das deslocações, alimentação e alugueres de equipamento, mas a grande parte dos envolvidos nem isso pagou", conclui Zé “Mastercrow”. Mais tarde, ponderou-se a realização de uma segunda edição do festival, ideia que viria a ser abandonada. Todavia, outros eventos análogos se sucederam, destacando-se a 4 de outubro de 1986 o Metal Stage, realizado no Cine Plaza (Amadora) com os CRUISE, VALIUM, SATAN'S SAINTS e STS PARANOID.
Texto: Dico
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